O debate sobre a responsabilidade corporativa

Lembra daquela discussão durante a pandemia, quando defensores do livre mercado argumentavam que deveríamos cuidar das empresas (CNPJs) tanto quanto das pessoas (CPFs)? Na época, essa ideia parecia absurda - uma visão desumanizada que priorizava números em detrimento de vidas. Mas hoje, após observar como o mundo corporativo opera, minha perspectiva mudou radicalmente.

E o que provocou essa mudança? A constatação de que, enquanto pessoas são cobradas por suas ações, empresas frequentemente escapam de responsabilidades básicas. Um exemplo recente veio de Nick Clegg, ex-executivo da Meta, que declarou abertamente: todo o negócio de IA entrará em colapso se as empresas tiverem que pagar artistas pelo uso de seus trabalhos no treinamento de inteligências artificiais.

O duplo padrão na ética corporativa

Imagine alguém tentando justificar no tribunal que roubou mercadorias porque "não tinha condições de pagar". Ou um inquilino alegando que pagar aluguel "causa rombo nas finanças". Absurdo, não? No entanto, empresas usam exatamente esse tipo de argumento para justificar práticas antiéticas - como quando a Meta utilizou ilegalmente obras protegidas para treinar seus sistemas de IA.

E o mais chocante? Muitas pessoas aceitam esses argumentos como válidos. Será que conseguiriam a mesma compreensão se fossem indivíduos comuns cometendo os mesmos atos?

A falsa narrativa do "empresário sofredor"

É comum ouvir que "empresário sofre", e isso é verdade - para pequenos empreendedores. O dono da padaria, o artesão, o microempresário que mal consegue pagar seus funcionários. Esses realmente enfrentam desafios enormes: burocracia excessiva, carga tributária pesada, falta de crédito.

Mas será que o mesmo vale para os grandes conglomerados? Enquanto pequenos negócios podem falir por um erro, corporações gigantescas recebem socorro governamental sob o argumento de serem "grandes demais para quebrar". Como na crise de 2008, quando bancos foram salvos com dinheiro público após especulações irresponsáveis.

E o padrão se repete: superprodução, especulação financeira e subconsumo - problemas criados pelas próprias empresas que depois exigem resgate. Não seria mais justo deixá-las arcar com as consequências de seus atos, como qualquer cidadão?

Empresas como adultos responsáveis

Atualmente, tratamos grandes corporações como crianças mimadas: seus erros são sempre perdoados, suas demandas atendidas, seus caprichos justificados. Mas e se começássemos a exigir delas a mesma responsabilidade que esperamos de qualquer adulto?

Talvez então veríamos menos casos como o da indústria de IA, que parece acreditar ter direito ao trabalho alheio sem compensação. Ou menos crises causadas por especulação desenfreada. Afinal, como diz o ditado: querer não é poder - nem para pessoas, nem para empresas.

O mito da autorregulação do mercado

Um dos argumentos mais persistentes é que o mercado se autorregula - que más práticas seriam naturalmente punidas pelos consumidores. Mas quantos de nós realmente temos escolha quando se trata de serviços essenciais? Bancos, planos de saúde, telecomunicações - muitas vezes estamos presos a poucas opções, todas operando sob as mesmas lógicas questionáveis.

E mesmo quando alternativas existem, a diferença é mínima. Você já tentou comparar os termos de serviço de diferentes plataformas digitais? São todos igualmente abusivos, com cláusulas que removem direitos básicos dos usuários. Se isso é autorregulação, então estamos diante de um sistema falido.

Quando a inovação vira desculpa

Outra tática comum é usar o discurso da inovação como escudo para práticas antiéticas. "Precisamos quebrar regras para avançar a tecnologia", dizem. Mas até onde vai o direito de inovar às custas dos outros? A indústria farmacêutica, por exemplo, frequentemente justifica preços exorbitantes como necessário para pesquisa - enquanto gasta mais em marketing do que em desenvolvimento.

E no caso da IA, o argumento é ainda mais frágil. Se um sistema só funciona roubando conteúdo alheio, será mesmo uma inovação válida? Ou apenas um novo modelo de exploração disfarçado de progresso tecnológico?

A distorção do conceito de risco

Empresas adoram falar sobre assumir riscos - mas apenas quando dá lucro. Quando o tiro sai pela culatra, rapidamente transferem o prejuízo para a sociedade. Veja o caso das plataformas de transporte: durante anos operaram no vermelho para dominar o mercado, queimando capital de investidores. Agora que estabeleceram monopólios, repassam todos os custos para motoristas e passageiros.

E o mais irônico? Enquanto pessoas físicas são cobradas por dívidas até o fim da vida, empresas simplesmente declaram falência e recomeçam sob novo CNPJ - um privilégio que distorce completamente a noção de responsabilidade financeira.

O jogo duplo da personalidade jurídica

As corporações querem ter o melhor dos dois mundos: quando convém, são "pessoas jurídicas" com direitos equivalentes aos humanos (como liberdade de expressão corporativa nos EUA). Mas quando se trata de responsabilidades, subitamente viram "estruturas complexas" onde ninguém pode ser pessoalmente responsabilizado.

Quantos executivos você viu sendo presos por desastres ambientais causados por suas empresas? Por escândalos de privacidade? Por condições de trabalho análogas à escravidão? A conta sempre para nos ombros de funcionários júnior ou em "erros de sistema" convenientemente impessoais.

E enquanto isso, os verdadeiros tomadores de decisão continuam acumulando bônus milionários - protegidos pelo véu corporativo que eles mesmos ajudaram a tecer.

Com informações do: Drops de Jogos